Espetáculo que começou na internet une gerações do teatro coloca Brasília na berlinda. Você teria coragem de fazer uma confissão íntima sabendo que esta seria incluída em um espetáculo teatral? Dezenas de internautas tiveram. Eles embarcaram na proposta do diretor e dramaturgo Bruno Estrela, que criou um blog na internet com espaço para declarações anônimas. Um pequeno texto esclarecia que as confissões poderiam ser de todos os tipos. O resultado partiu de revelações banais e bem humoradas, chegando à exposição de verdades bastante duras.
A ideia era usar material humano na construção de um texto dramatúrgico para que sua autoria fosse, de alguma maneira, compartilhada. “Eu penso que é preciso criar caminhos de diálogo entre o teatro e o público. Ainda temos um desafio imenso relacionado à formação de plateia em Brasília. Inserir o público na criação de um espetáculo pode ser um bom recurso para despertar o interesse pelo teatro” , explica Bruno. Outro fator determinante para a criação do blog de confissões anônimas foi a vontade de abordar questões delicadas e que , geralmente , as pessoas têm algum constrangimento em revelar. Segundo o dramaturgo, a busca era por tudo aquilo que fica oculto em nós, em nome de uma espécie de “verniz social”, que permite que se fale apenas o politicamente correto e o socialmente aceitável. Para o diretor, esta é uma postura nociva e infelizmente comum, que reforça o pensamento único e padronizado.
Diante do mosaico de revelações obtido no blog, foi feita uma seleção minuciosa das confissões. Algumas entraram na trama do espetáculo exatamente como foram escritas , outras foram adaptadas. Em alguns casos os atores verbalizam as confissões. Em outros, elas se tornam aspectos claros da vida ou do perfil dos seus personagens. Bruno lamenta o fato de não ter conseguido usar todas as confissões no espetáculo pois, segundo ele, seria muita informação para apenas um espetáculo.
O segundo desafio foi ambientar a trama em Brasília. Um dos interesses claros da montagem era tratar da condição de ser brasiliense. Diante disso, houve uma investigação sobre a relação dos moradores com a cidade. “É muito curioso, porque as pessoas falam coisas péssimas da cidade e , ao mesmo tempo, a amam. Não admitem, por exemplo , que pessoas de fora a critiquem. Isso instigou minha curiosidade sobre essa identidade tão fragmentada dos moradores desta cidade inventada no meio do Planalto Central. Que impacto o céu, a arquitetura, o poder e o clima tem sobre as relações humanas?”, questiona o diretor. A contradição com relação ao sentimento nutrido pela capital se tornou então, a partir desta constatação, um ponto chave do debate proposto pela peça , que recebeu o nome sugestivo de “O Matadouro”.
Segundo o diretor, não haverá surpresa se algumas pessoas se incomodarem com certos discursos do espetáculo. “Pode ser que alguém não goste do que vai ouvir, mas eu tenho certeza que, em algum momento, essa mesma pessoa já fez coro para criticar nossa cidade. Talvez, mostrar isso de uma maneira distanciada possa fazer com que haja alguma reflexão pessoal”, enfatiza Bruno, que se declara apaixonado por Brasília e, apesar de toda a construção conceitual da peça, diz não ter pretensão de oferecer uma ideia fechada sobre nenhuma questão. Para o diretor, a peça é sobre dramas humanos que podem acontecer em qualquer lugar do mundo. O texto parte da historia de quatro mulheres destacando também a questão feminina e tocando em assuntos polêmicos como o aborto e prostituição. “É tudo universal, a relação da mulher na sociedade, as verdades íntimas também, mas eu tenho que falar da minha aldeia, não tinha como ambientar isso tudo em outro lugar”, revela.
Quando chegou o momento de escalar o elenco, uma grata surpresa. Conseguiu entusiasmar, a partir do texto, um dos mais respeitados atores de Brasília levando-o a entrar no projeto: Gê Martú, pioneiro na história do teatro brasiliense. “O texto de me surpreendeu muito. Há cenas em que a poesia brota e em outras o drama toma conta. Brasília e seus habitantes são expostos de uma maneira não muito lisonjeira, é um texto complexo e os personagens, não menos”, esclarece o premiado ator, que recentemente participou da novela Avenida Brasil. Sobre ter entrado no projeto de um diretor e dramaturgo ainda em início de carreira, Martú faz questão de lembrar que a sua própria carreira só tomou a dimensão que tem hoje porque, no passado, outras pessoas foram capazes de confiar nele. “Eu também tive a minha primeira vez. Acreditaram em mim. No fundo, o que nos diferencia é apenas o tempo de estrada”, encerra Gê Martú.
Sinopse
Dentro de uma casa condenada, nos arredores de Brasília, quatro mulheres se apegam a subterfúgios fantasiosos para escapar de suas realidades decadentes. No entanto, a chegada de um homem misterioso irá colocar por terra todas as certezas alimentadas até então.
Diante da proposta de um jogo psicológico perverso e libertador, os personagens vão, um a um, retirando suas máscaras sociais ao revelarem aquilo que sempre deixaram enterrado: suas próprias verdades inconvenientes.
Serviço
De 02 de novembro a 02 de dezembro
Sextas, sábados e domingos , sempre às 21h
Local: Brasília Shopping - SCN Qd. 05 Bl. "A" - Brasília/DF
Ingressos - 15,00 (meia) e 30,00 (inteira)
Meia entrada também mediante a entrega de 1kg de alimento não perecível.
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